Sabe quando a vista da varanda – aquela, que há muitos anos é admirada por você e por todos que passam em sua casa – já não lhe parece tão atraente? Pois é. É assim que tenho me sentido durante estes últimos dias.
Sabe quando seu coração já não bate mais no ritmo de antes? Naquele ritmo desenfreado, inconstante, arrebatado, desembestado, apaixonado? Pois é. Não o sinto assim há muito tempo. É como se um cubo de gelo tivesse tomado seu lugar.
Sabe quando o sol entra por entre as frestas das janelas e das portas e você não mais consegue observar seu brilho? É como se tivessem me cegado, assim, de repente.
Não sei ao certo quando isso aconteceu. Não sei tampouco o seu por que. Não sei o causador. Ou melhor. Esta última, eu sei.
Era uma madrugada fria de inverno – talvez por isso meu coração tenha esfriado -, e ele chegava a casa. O cheiro do álcool e do cigarro impregnava a casa toda. Não. Não seria desta vez que ele acabaria com minha noite de sono tranqüilo.
Levantei-me, com a tranqüilidade e serenidade que só eu conseguia ter nestas horas. Abri o guarda-roupa, tirando com extrema leveza as roupas daquele belo, fascinante, apaixonante, atraente, cativante, encantador, envolvente, formoso, maravilhoso, sedutor cafajeste. Guardei-as na mala que havia lhe dado como presente há alguns anos atrás. Nunca havia sido usada.
Pois bem. Desci as escadas. Dei de cara com ele. Ajoelhado, balbuciando algo como se fosse uma prece. Uma prece à “Santa Mônica”. Pois era isto. Uma santa. Só uma pessoa assim agüentaria durante pouco mais de vinte anos um homem como ele. Não lhe nomeio, pois não quero recordar-me deste pequeno - grande - detalhe.
Não quis nem ao menos tentar ouvir o que ele tinha a dizer. Bem, não é que não quisera ouvir. Não conseguia. Sua voz me dava asco, nojo, ânsia. Resolvi, por assim dizer, levar sua mala até o portão que dava para a rua.
- Eu ainda tenho uma última coisa pra fazer.
Entrei novamente. Ele desta vez já estava de pé. Seu rosto refletia a noite de orgia que havia vivido. Mas nem por isso me abalei. Corri os olhos, procurando o papel. Sim, já havia preparado a carta de separação, na qual, ele deixava-me todos seus bens, inclusive sua bela casa.
Não foi difícil fazê-lo assinar. Também não foi difícil enxotá-lo para fora. Pois é. O troco de vinte e poucos anos o agüentando, havia sido dado.